Miséria humana
Ditados Espontâneos e Dissertações Espíritas
RECEBIDOS OU LIDOS NAS SESSÕES DA SOCIEDADE A VAIDADE
Pela Sra. Lesc..., médium
Quero falar da vaidade, que se mescla a todas as ações humanas. Ela macula os mais suaves pensamentos; invade o coração e o cérebro. Planta maligna, abafa a bondade em seu nascedouro; todas as qualidades são aniquiladas por seu veneno. Para lutar contra ela, é preciso exercitar a prece; somente ela nos dá força e humildade. Homens ingratos! Esqueceis de Deus incessantemente. Ele não é para vós senão o socorro implorado na aflição, e jamais o amigo convidado para o banquete da alegria. Para iluminar o dia ele vos deu o sol, radiação gloriosa, e para clarear a noite, as estrelas,flores de ouro. Por toda parte, ao lado dos elementos necessários à Humanidade, pôs o luxo necessário à beleza de sua obra. Deus vos tratou como faria um anfitrião generoso que, para receber seus convidados, multiplica o luxo de sua mansão e a abundância do festim. Que fazeis vós, que tendes apenas o coração para lhe oferecer? Longe de o honrar com as vossas virtudes e alegrias, longe de lhe oferecer as premissas de vossas esperanças, não o desejais e somente o convidais a penetrar-vos o coração quando o luto e as decepções amargas vos trabalharam e deixaram marcas. Ingratos! Que esperais para amar vosso Deus? A desgraça e o abandono. Antes lhe oferecei o coração, livre de dores; oferecei-lhe, como homens em pé, e não como escravos ajoelhados, vosso amor purificado do medo, e na hora do perigo ele se lembrará de vós, que não o esquecestes na hora da felicidade.
Georges (Espírito familiar)

A MISÉRIA HUMANA

A miséria humana não está na incerteza dos acontecimentos, que ora nos elevam, ora nos precipitam. Reside inteira no coração ávido e insaciável, que incessantemente aspira a receber, que se lamenta da secura de outrem e jamais se lembra da própria aridez. Essa desgraça de aspirar a mais alto que a si mesmo,essa desgraça de não poder satisfazer-se com as mais caras alegrias, essa desgraça, digo eu, constitui a miséria humana. Que importa o cérebro, que importam as mais brilhantes faculdades, se elas são sempre ensombradas pelo desejo amargo e insaciável de que algo lhe escapa sem cessar? A sombra flutua junto ao corpo, a felicidade flutua junto à alma, para ela inatingível. Não deveis, entretanto, nem vos lamentar, nem maldizer a sorte; porque essa sombra, essa felicidade, fugidia e móvel como a onda, pelo ardor e pela angústia que deposita no coração, dá-nos a prova da divindade aprisionada na Humanidade.
Amai, pois, a dor e sua poesia vivificante, que faz vibrar vossos Espíritos pela lembrança da pátria eterna. O coração humano é um cálice repleto de lágrimas; mas vem a aurora, e beberá a água de vossos corações; para vós ela será a vida que deslumbrará vossos olhos, enceguecidos pela obscuridade da prisão carnal. Coragem! Cada dia é uma libertação; marchai na dolorosa senda; marchai,acompanhando com o olhar a maravilhosa estrela da esperança.
Georges (Espírito familiar)

A TRISTEZA E O PESAR

Pela Sra. Lesc..., médium É um erro ceder freqüentemente à tristeza. Não vos

enganeis: o pesar é o sentimento firme e honesto que se apossa do homem atingido no coração ou nos interesses; mas a fastidiosa tristeza é apenas a manifestação física do sangue em sua lentidão ou rapidez de curso. A tristeza encobre com seu nome muito egoísmo, muitas fraquezas; debilita o Espírito que a ela se abandona. O pesar, ao contrário, é o pão dos fortes. Este amargo alimento nutre as faculdades do espírito e diminui a parte animal. Não procureis o martírio do corpo, mas sede ávidos pelo tormento da alma. Os homens compreendem que devem mover suas pernas e braços para manter a vida do corpo, mas não compreendem que devem sofrer para exercitar as faculdades morais. A felicidade, ou apenas a alegria, são hóspedes tão passageiros da Humanidade que não podeis, sem ser por elas esmagados, suportar sua presença, por mais leve que seja. Fostes feitos para sofrer e sonhar incessantemente com a felicidade, porquanto sois aves sem asas,chumbados ao solo, que olhais o céu e desejais o espaço.
Georges (Espírito familiar)

Observação – Estas duas comunicações encerram,incontestavelmente, belíssimos pensamentos e imagens de grande elevação; mas nos parecem escritas sob o império de idéias um pouco sombrias e um tanto misantrópicas. Dir-se-ia haver nelas a expressão de um coração ulcerado. O Espírito que as ditou faleceu há poucos anos. Em vida era amigo do médium, do qual, após a morte, se tornou o gênio familiar. Era um pintor de talento, cuja vida tinha sido calma e muito despreocupada. Mas quem sabe se teria sido o mesmo na existência anterior? Seja como for, todas as suas comunicações atestam muita profundeza e sabedoria. Poderiam pensar que fossem o reflexo do caráter do médium. A Sra. Lesc... é, incontestavelmente, uma mulher muito séria e acima do vulgo, sob muitos aspectos, e é isso, sem dúvida – abstração feita à sua faculdade mediúnica – que lhe granjeia a simpatia dos Espíritos bons. Mas a comunicação seguinte, obtida na Sociedade,prova que pode receber outras de caráter muito variado.

A FANTASIA

Médium – Sra. Lesc...

Queres que te fale da fantasia. Ela foi minha rainha,minha dona, minha escrava. Eu a servi e a dominei. Sempre submetido às suas adoráveis flutuações, jamais lhe fui infiel. É ainda ela quem me impele a falar de outra coisa: da facilidade com que o coração carrega dois amores, facilidade desprezada e muito censurada. Considero absurda essa censura dos bons burgueses, que só gostam de seus pequenos vícios moderados, mais enfadonhos ainda que suas virtudes; do mesmo modo que uma cerca viva de arbustos delimita os jardins de um padre, eles só admitem o que seus miolos limitados podem compreender. Tens medo do que te digo; fica tranqüila; Musset tem a sua garra; não se lhe pode pedir gentilezas de cãezinhos amestrados. É preciso suportar e compreender seus gracejos, verdadeiros sob sua frívola aparência, tristes sob sua alegria, risonhos nas suas lágrimas.
Alfred de Musset

Observação – Uma pessoa que só tinha ouvido esta comunicação por ocasião de sua primeira leitura dizia, numa sessão íntima, que lhe parecia de pouca significação. O Espírito Sócrates,que participava da conversa, respondendo a essa observação, escreveu espontaneamente: “Não, tu te enganas; relê a mensagem; há coisas boas; ela é muito inteligente e isto tem o seu lado bom. Diz-se que nisso se conhece o homem. Com efeito, é mais fácil provar a identidade de um Espírito do vosso tempo do que do meu; e, para certas pessoas, é útil que, de vez em quando, tenhais comunicações deste gênero.”

Certo dia em que se conversava sobre os médiuns e sobre o caráter de Alfred de Musset, que um dos assistentes acusava de ter sido muito material em vida, o poeta escreveu espontaneamente a notável comunicação que se segue, por um de seus médiuns preferidos:

INFLUÊNCIA DO MÉDIUM SOBRE O ESPÍRITO

Médium – Sra. Schmidt

Somente os Espíritos superiores podem comunicar-se indistintamente por todos os médiuns e manter em toda parte a mesma linguagem. Mas eu não sou um Espírito superior, razão por que, às vezes, sou um pouco material. Contudo, sou mais adiantado do que imaginais.

Quando nos comunicamos por um médium, a emanação de sua natureza se reflete mais ou menos sobre nós. Por exemplo, se o médium é dessas naturezas em que predomina o coração, desses seres elevados, capazes de sofrer por seus irmãos; enfim, dessas almas devotadas, nobres, que a infelicidade tornou fortes e que ficaram puras em meio à tormenta, então o reflexo faz bem, no sentido de nos corrigirmos espontaneamente e nossa linguagem se ressentir. Mas no caso contrário, se nos comunicamos por um médium de natureza menos elevada, servimo-nos pura e simplesmente de sua faculdade como nos utilizamos de um instrumento. É então que nos tornamos o que chamas de um pouco material. Dizemos coisas espirituosas, se quiseres, mas deixamos de lado o coração.

Pergunta – Os médiuns instruídos, de espírito culto, são mais aptos a receber comunicações elevadas do que os que não têm instrução?

Resposta – Não, repito. Somente a essência da alma se reflete sobre os Espíritos, mas os Espíritos superiores são os únicos invulneráveis.
Alfred de Musset
R.E. , junho de 1860, p. 283